Teoria ensinada nos cursos de administração, a pirâmide das necessidades pessoais, de Abraham Maslow, dá uma pista sobre o que tem ocorrido no mercado de trabalho, brasileiro e mundial, em relação à rotatividade (turnover) nas empresas. O modelo traz a ‘realização pessoal’ como o ápice entre os anseios básicos que motivam o ser humano.
Com a superação das outras necessidades (fisiológicas, segurança, afetividade-pertencimento e estima-reconhecimento social) previstas por Maslow, a humanidade passou a buscar fatores relacionados à autorrealização. Publicações de consultorias como Manpower Group e Mckinsey, indicam tal realidade.
De acordo com relatórios das duas instituições, o aumento de profissionais da geração Z (nascidos entre 1995 e 2010) no mercado de trabalho mudou, de vez, a maneira como as pessoas encaram emprego e negócio. O pesquisador e CEO da empresa de recolocação de carreira Produtive, Rafael Souto, estuda há 25 anos o mercado de trabalho e conta que aumentou a procura por autorrealização no trabalho, em relação ao salário, cargo ou perfil de empresa.
“Quando você olha os principais fatores de perdas de talentos, vemos várias pesquisas que mostram a razão para isso. A última que nós fizemos, por exemplo, apontou que mais de 50% das pessoas trocam de empresa quando não veem mais perspectiva de carreira”, contou.
Criador do conceito de ‘carreira em nuvem’, Souto explica que o termo se refere a mudanças estruturais nas rotinas de trabalho, relação de hierarquia e posteriormente à remuneração. Na prática, o colaborador passaria a integrar um grupo de trabalho heterogêneo — com pessoas de diversos setores da empresa — a fim de desenvolver novos produtos, conceitos e resolver problemas existentes na organização.
Tudo começa por meio de projetos, tais como hubs, squads ou grupos multifuncionais. Neles, os funcionários têm entregas específicas e objetivas, bem como se organizam por meio de sistema orgânico (vivo e dinâmico), que roda em paralelo ao sistema de carreira tradicional (linear).
“Imagina que você está em uma empresa como coordenador financeiro, e esse é seu cargo na estrutura linear. Em paralelo, em algumas horas do dia ou da semana, presencial ou virtual, você se envolve em um projeto de transformação digital da empresa e trabalha nesse hub (projeto) 3h por semana para discutir a transformação digital. Essa é a carreira em nuvem”, exemplificou.
Segundo o idealizador do conceito, o maior benefício é proporcionar ao funcionário novos conhecimentos à carreira, tornando-o polivalente e apto a experimentar outras áreas. “Além disso, propicia sair da rotina, dar vazão à criatividade, mostrar sua bagagem pessoal e profissional, além de aumentar crescimento dentro da organização”, diz.
Empresas como Spotify, Amazon e, no Brasil, a Mercur e o grupo Votorantim já adotaram a prática. Os resultados, segundo Souto, em termos de inovação já são perceptíveis, bem como a capacidade de formar novas lideranças.
Cuidados necessários
Para a superintendente de gestão de pessoas da Valec Engenharia, Danyelle Barreto, a carreira em nuvem torna a empresa mais atrativa e bem vista externamente. Também aumenta as possibilidades oferecidas ao trabalhador de tornar-se referência no mercado.
Assim como Rafael Souto, ela ressalta, no entanto, que o modelo não é para todos. “Esse tipo de carreira, em nuvem, deve levar em consideração o perfil do profissional e as competências comportamentais inerentes a cada indivíduo. Para os mais arrojados pode ser maravilhoso, mas para os mais conservadores pode ser um pesadelo”, analisa.
Danyelle acredita que a estrutura organizacional também deve estar preparada para receber tal modelo. Segundo ela, a cultura da empresa deve ser propícia e os trabalhos bem mapeados e estruturados por projetos.
A superintendente considera que é fundamental haver flexibilidade, autonomia e automatização de processos — para tornar a vida do colaborador mais leve, ágil e dinâmica. “As vantagens dizem respeito ao crescimento e protagonismo frente aos caminhos possíveis, mas é preciso fazer essas características conversarem em direção ao que se pretende, ao implementar a carreira em nuvem”, pondera.
Souto concorda e afirma que a implementação exige definição de regras a serem seguidas, antes e durante o processo, bem como tempo para maturação do programa. Ele crê, ainda, que é preciso fazer antes um teste piloto com parte dos funcionários e somente depois aumentar progressivamente a escala do projeto.
“Não é tão simples implementar, mas o retorno é significativo. Também não acredito que as empresas vão migrar totalmente para os modelos flexíveis, mas diante do que temos visto, entendo que esse é o futuro do trabalho”, sentenciou.
Por Leon Santos – Assessoria de Comunicação CFA
Fonte: ASCOM CFA